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A Última Pá de Terra

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Estou a poucos passos de ser católico. Faltam poucas páginas de catequese para, então, enviar os documentos necessários à paróquia.  Uma simbologia forte estará em torno do meu batizado. Será na pequena cidade onde enterrei meus pais e meus avós maternos. É onde estão enterrados também as melhores lembranças da infância. Onde moram tantos fantasmas, renascerei. Não sei o que papai diria disso. Por um tempo pensei que seria um problema, que ele tinha um orgulho tremendo de ter um filho tão espírita. Hoje penso que diria tudo estar bem onde meu coração estiver bem. Mas, sempre me afastei desse ecumenismo morno. Ou era o espiritismo o futuro das religiões, e portanto eu vinha perdoando toda a ignorância delas de ainda não o serem, ou é o catolicismo agora a única religião que conduzirá a Deus, e o que será das demais? Aprendi a dizer não sei.  Parte da minha conversão exige que revele, não por imposição da igreja, mas para conhecer a minha verdade, que eu tinha repúdio ao catolicismo. Tod

Perdão imerecido

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Sonhei que eu havia matado muitos criminosos. Apenas eu e uma espada. Não fui atingido nenhuma vez. Matei da forma mais fria possível. Banhei-me de sangue. Foram muitos os mortos e em vários lugares.  Era eu mesmo que estava lá. Reconhecia-me perfeitamente no assassino. Era eu! E após limpar a catana, tomar o caminho de casa e retirar a máscara, assumi o meu papel de pai, provedor do lar, marido, bom amigo e companheiro de trabalho na vida que levo atualmente.  Acordei com um susto enorme, como se, enfim, tivessem me encontrado, os juízes. Fiquei em um confuso despertar, perturbado de fato que houvessem me achado, revelado meu disfarce. Esse eu que animo hoje, um grande disfarce.  Foram tantas mortes, todas pelas minhas mãos. E o susto não era de as ter cometido, mas de terem me descoberto. Então, lembro do quanto dediquei esta vida que carrego hoje a Jesus, em divulgar seus ensinamentos e tentar trazer o reino dele à Terra. Começo a me envergonhar, e a vergonha vai se apoderando de mi

Minha esposa

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Eu lembro que tentei doutriná-la, converter é a palavra mais certa. Não querendo viver o primeiro namoro em que tive a amada rejeitando minha doutrina, dei para apostar na minha última namorada com a vontade de moldá-la à minha felicidade. A fragilidade dela me passava uma abertura para tentar domesticar o seu medo, sua vergonha, sua tristeza, e fazer florir ainda mais o seu sorriso, deixá-la plena, livre, mulher. Queria fecundá-la muito mais do que com meus genes, mas com minha filosofia, a espírita.  Não consegui. O tempo foi passando e ela resistia. Não com silogismos. Apenas resistia. Embora cada vez mais distante da missa e sempre afeita a um catolicismo mais aberto, ela resistia. Havia um núcleo de crença inabalável que eu pelejava por entrar e ressignificar, mas via que permanecia.  - Jesus e Deus são uma só e a mesma pessoa.  Jesus fazer milagres improváveis e ter ressurgido dos mortos com o corpo de carne, ou ainda a virgindade de Maria, tudo era consequência desse dogma prime

Entre o Amor e a Revolução

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Judas, com um beijo entregas este Homem? (Lucas 22:48)   Havia um amigo com quem partilhava a caminhada de volta para casa, vindo do colégio, todos os dias. Éramos, àquela época, moços e ingênuos.  Lembro, em meio ao carnaval que animava as ruas da cidade, de ele me pedir que o acompanhasse até o lugar onde sua namorada estaria lhe esperando. Fomos até lá e esperei a alguns metros de distância ele ter uma conversa com ela. Acabaram o namoro ali. Ela era jovem, dizia, estava cheia de desejo, e não queria se prender a apenas um rapaz. Como eu havia dito antes, era carnaval. Ele me agradeceu a companhia. Voltou desolado para o lugar em que estávamos originalmente, sem dança, sem alegria, apenas olhava o movimento dos foliões, disfarçando a dor o resto da noite. Separamo-nos. Ele, rumo à advocacia, e eu, à medicina. Um dia, fui visitá-lo. Ainda estávamos na faculdade. Sua mãe era religiosa. E ele havia herdado certo hábito da mãe de ir à igreja. Pelo menos, naqueles idos de nossa adolescên

Era Jesus a quem eu procurava

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  De algum modo era Jesus a quem eu procurava.  Na infância, ele era o que tornava Deus inteligível. Estudávamos os mais diversos temas espíritas como grandes atributos do universo humano, e as evangelizadoras desenhavam Jesus ali como a nos proteger, no planeta Terra, dos asteróides que vez ou outra ameaçavam a existência de toda a humanidade. Na adolescência, decidi estudar as obras pilares do espiritismo, e qualquer lei só fazia sentido quando corporificadas nele. Quando me deslumbrei com o romance "Nosso Lar" de André Luis/Chico Xavier, o mundo espiritual passou a ser quase palpável, mas eu não me apercebi de algo: Jesus não estava lá. Aceitei como um cachorro aceita que seu dono está em viagem, e o caminho é longo e áspero até alcançá-lo. O dogma espírita de que há uma longa marcha até merecermos estar com Jesus lado a lado me parecia razoável. Por que um espírito de altíssima envergadura, cuja estatura moral é incalculável, haveria de me ter ao lado? Deixei passar que a