Entre o Amor e a Revolução


Judas, com um beijo entregas este Homem? (Lucas 22:48)


 Havia um amigo com quem partilhava a caminhada de volta para casa, vindo do colégio, todos os dias. Éramos, àquela época, moços e ingênuos. 

Lembro, em meio ao carnaval que animava as ruas da cidade, de ele me pedir que o acompanhasse até o lugar onde sua namorada estaria lhe esperando. Fomos até lá e esperei a alguns metros de distância ele ter uma conversa com ela. Acabaram o namoro ali. Ela era jovem, dizia, estava cheia de desejo, e não queria se prender a apenas um rapaz. Como eu havia dito antes, era carnaval.

Ele me agradeceu a companhia. Voltou desolado para o lugar em que estávamos originalmente, sem dança, sem alegria, apenas olhava o movimento dos foliões, disfarçando a dor o resto da noite.

Separamo-nos. Ele, rumo à advocacia, e eu, à medicina. Um dia, fui visitá-lo. Ainda estávamos na faculdade. Sua mãe era religiosa. E ele havia herdado certo hábito da mãe de ir à igreja. Pelo menos, naqueles idos de nossa adolescência. Em seu quarto, encontrei livros socialistas. Puxei conversas para entender até que ponto ele estava engajado naquela teoria. Estava tanto a ponto de não ser mais uma teoria, já havia se filiado a um partido. Perguntei-lhe sobre Deus. Não era uma hipótese que cultivava, o mundo com suas injustiças era mais urgente. 

Por que esse amigo me volta à lembrança com essas duas cenas amalgamadas? O amor ferido e a luta pelo mundo. Suponho que a garota não lhe tenha feito tanto mal a ponto de lhe tirar a fé. Não foi uma traição de consequências cósmicas. Contudo, minhas associações livres me trouxeram essas duas cenas como se me revelassem que dialogam com um quadro maior.

Não foi de uma traição que se originou o símbolo da religião que fez Deus um de nós por amor?



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